Atravessa esta paisagem o meu sonho dum ponto infinito
E cor das flores é transparente as velas de grandes navios.
Que largam do cais arrastando nas águas por sombras
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O ponto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas o meu espírito o sol deste dia é ponto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com um horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvores, estrada a andar aquele porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma.
(Fernando Pessoa).
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